Bárbara Maix: experiência da relação permanente com a Trindade

Bárbara Maix nasceu em Viena, filha de Joseph Maix e Rosália Mauritz. Seu pai era camareiro-mor do Imperador Francisco Carlos da Áustria, no Palácio de Schönbrunn, mas sua família vivia em uma situação econômica bastante precária. A desnutrição ocasionou a morte de vários filhos do casal.

A experiência de Bárbara vem caracterizada por sua relação permanente com a Trindade. Compreende que o dinamismo contemplativo é recíproco entre Deus  e a criatura, e, por isso afirma: “Deus não se cansa de contemplar-nos, quando estamos na Sua santa graça e, por amor nos dominamos em alguma coisa”. Acredita em um Deus amoroso, fascinado pela pessoa humana. Ao amor de Deus se responde com o sim exemplar que encontra princípio e protótipo no Sim de Maria, Mãe de Deus, mulher de Imaculado Coração. Mulher que retrata fidelidade  à  revelação; que encontra fundamentos nos evangelhos e tem seu ápice na mulher do Apocalipse (12, 1-7). Deixar-se orientar pelo Espírito Santo garante à comunidade o permanecer firme, atenta ao único solista: Jesus Cristo. Sem dúvida, a identidade de seu Projeto está no retorno  ao amor primeiro (Ap 2, 1-7) Tendo sua origem na Trindade, a Congregação  não pode prescindir da categoria de união.

O aspecto pneumatológico aparece correlato a certo teocentrismo-cristológico  quando afirma que a obra é de Deus  ao mesmo  em tempo que está  se referindo à pessoa do Filho: “…mas Deus se defenderá a si mesmo…Ele age para honra do SS. Coração de Maria, sua Mãe” . Deus aparece como revelador do que está oculto aos olhos da comunidade religiosa. No entanto, para que a comunidade compreenda isso, ensina que é necessário não resistir ao Espírito Santo: ” O que quero e peço as minhas filhas é que não resistam ao Espírito Santo e aproveitem estas graças tão grandes” . Resgatando a teologia  da Igreja dos três primeiros séculos, Bárbara evidencia um aspecto  da pneumatologia primitiva no que se referente à atenção dada à Pessoa do Espírito Santo, sobretudo no período martirial, onde a comunidade perseguida é atenta à voz do Espírito e o denomina de Consultor.  Essa relação a faz obediente ao Espírito Santo: “… que todas sigam ao Espírito Santo e se unam fortemente entre si” . Assim como a esposa em suas relações esponsais sente-se, no amor, atraída para o esposo, da mesma forma, Bárbara é, na força do Espírito, atraída para Cristo e seu Projeto.

O Espírito também se apresenta ligado à dimensão da beleza: ” peço ao Espírito Santo que edifique um novo templo, mais belo e mais rico que o de Salomão, para a honra de Deus e de Maria” .  O templo edificado pelo Espírito é, sem dúvida,  a comunidade-congregação. O templo não está ligado a um edifício de pedras, mas, totalmente atribuído à dimensão antropológica em sua possibilidade de tornar-se nova. A Beleza, neste contexto, surge como expressão de autenticidade de vida consagrada rica em seu dinamismo carismático, colocado a serviço da Trindade. O mesmo Espírito aparece como o instrutor, aquele que fala e ensina: ” peço-vos que cada uma vá, com o Espírito Santo, numa hora de silêncio, no fundo do seu coração, e lhe dê liberdade de vos falar e fazer o que Ele quiser”  .

Nesse sentido, o Espírito é Aquele que torna possível a compreensão verdadeira da ação missionária da consagrada. Bárbara compreende que o  Espírito é quem faz com que a pessoa humana acolha a fidelidade de Deus, desde que  lhe dê liberdade para que Ele passeie no interior do coração. Ao mesmo tempo, o Espírito é aquele que fala e quem realiza a vontade de Deus. A pessoa aparece como instrumento de sua  ação. Daí a necessidade de silenciar para ouvir o que Ele tem a dizer. Deixar-se orientar pelo Espírito, ser conduzida, nada mais é do que realizar  na vida o que Jesus realizou: segundo o evangelista Marcos Jesus foi conduzido ao deserto pelo Espírito Santo: “E logo o Espírito o impeliu para o deserto”(Mc 1, 12).

Para Bárbara, essa experiência conduz a comunidade a se comportar como discípula: “…comportemo-nos  como bons discípulos que honram a seu Mestre” . O comportamento discipular é expresso através da verdadeira configuração com o Senhor, numa entrega sempre crescente e consciente, em constante superação do egocentrismo e do eu solitário: “Eu já me coloquei inteiramente em suas santas mãos”. O colocar-se inteiramente nas mãos de Deus exprime seu comportamento discipular como seguidora na perspectiva dos  primeiros tempos do cristianismo  primitivo, como explicita Inácio de Antioquia: “sois as pedras do templo do Pai, preparadas para a construção de Deus Pai, alçadas para as alturas pela alavanca de Jesus Cristo, alavanca que é a cruz, servindo-vos do Espírito Santo como de uma corda  No NT – a mística significa um mergulho no mistério da cruz de Cristo. Conhece o mistério da Cruz e se compromete com ela quem se deixa iluminar pelo Espírito Santo que sonda as profundidades (1 Cor 2, 2; cf. 1, 23;  Rm 16, 25; 1 Cor 1, 23; 2, 3). É na fraqueza que o apóstolo vive sua sintonia com Deus mediante o crucificado.

Por ser uma pessoa de fé, vive o sentido da aliança, consciente de que Deus-Pai é o Deus da misericórdia revelada em Jesus e derramada no Espírito Santo. O místico é alguém que tem consciência de viver sobre a misericórdia e a graça divina. Tem o sentimento de gratidão, de disponibilidade diante da livre iniciativa de Deus, da necessidade do perdão e da renovação da esperança confiante. Regida pela caridade, a experiência mística cristã demonstra definitivamente o conhecimento do mistério da caridade, aberta ao movimento de entrega de si segundo a medida de Cristo. O místico vive no amor e, pelo amor com que se percebe, é que se vê obrigado a amar. A mística trinitária exige uma abertura permanente do (a) místico (a) em relação ao amor do Pai revelado no Filho e a graça do Espírito Santo .

Embora, ao concluir seus escritos, cartas, sempre Bárbara o faça com a Bênção da Trindade. No entanto, em 1868, na oitava do Natal, a Bênção aparece como ápice e uma espécie de coroamento de seu projeto, numa afirmação da Presença trinitária de Deus, numa consciência sempre crescente do ser de Deus em suas relações pericoréticas, articulando a vida ad intra com a vida ad extra da Trindade:

“…abençoe-vos Deus Pai que vos criou e que, desde toda eternidade, vos escolheu para serdes esposas de seu único Filho, Jesus Cristo; abençoe-vos Deus Filho que, com todo amor, vos escolheu por esposas e, na Redenção, quando derramou o seu Preciosismo Sangue, lembrou-se, especialmente, de cada uma de vós; abençoe-vos o Espírito santo que vos santificou para serdes um templo digno de receber, como esposas, todas as graças e dons para bem corresponder. Permaneça entre vós a SS. Trindade e toda a Corte Celestial e que vos ajudem a lutar, a sofrer e a amar até a morte! Amém! Amém” .

            Sem dúvida, essa bênção tem uma estrutura metodológica e epistemológica muito bem trabalhada, definida no que se refere a sua fidelidade à elaboração teológica dos primeiros séculos e a teologia posterior.

a) O primeiro direcionamento à Pessoa do Pai como Criador mantém fidelidade à ortodoxia da fé, referente ao primeiro artigo do Credo em seu objeto formal, tanto a respeito da divindade das três pessoas, como à correspondente obra salvífica. A comunidade primitiva sempre se dirigiu em sua oração ao Pai pelo Filho no Espírito Santo. Fórmula presente no Tratado sobre o Espírito Santo, de Basílio de Cesaréia. Também o reconhecimento do Pai como o Criador  e para quem Ele cria  está em consonância com a revelação bíblica que afirma: “…porque nele foram criadas todas as coisas” (Cl 1, 16). Ainda afirma  Tertuliano: “A regra de fé consiste em crer que  existe um só Deus, um só  Criador do mundo, o qual mediante o seu Verbo, que desceu ao princípio, criou todas as coisas” . Bárbara acrescenta na fórmula a expressão “desde toda eternidade”, o que traz presente  o “ser sem princípio, e o ser eterno do Pai .

b) O segundo direcionamento à pessoa do Filho que emerge como Aquele com quem a comunidade é esposada: o Redentor que derramou seu próprio sangue por amor. Traz implícita a consciência da configuração com o Filho como discípulas, através dos esponsais. Isso vem articulado com a segunda parte do símbolo introduzida na confissão de fé em Jesus Cristo caracterizado como o único Filho de Deus Pai e nosso Senhor . O vocábulo único, aplicado ao Filho de Deus na fórmula da bênção, que Bárbara adotou traz à tona a certeza que ela tem  a respeito  da filiação divina de Jesus Cristo tão discutida na teologia do IV Século no Concilio de Nicéia I (325) e que, com a teologia liberal do século XIX, estava novamente na reflexão teológica o discurso sobre a cristologia descendente, isto é, relacionada mais à dimensão humana de Jesus,  a chamada Jesuologia, com  relevância do dado antropológico, a questão da  humanidade de Jesus .

c) O terceiro direcionamento à Pessoa do Espírito Santo, onde Ele se manifesta como aquele que santifica, que transforma a pessoa humana em templo digno de receber todas as graças e dons que levam à correspondência dos esponsais. Essa compreensão está em consonância com a afirmação joanina a respeito do Espírito: “…conduz a verdade plena: Ele é o Espírito da verdade (Jo 16, 13).  Bárbara percebe a comunidade como um espaço onde as Irmãs santificadas pelo Espírito tornam-se “Templos dignos” como afirmou Yves Congar:  “O Espírito suscita nos fiéis o sentimento de uma comunhão em virtude da qual, pela fé e pelo amor, eles estão em Deus e Deus neles: (1Jo 4, 13)” .

A conclusão da bênção: “Permaneça entre vós a SS. Trindade e toda a Corte Celestial e que vos ajudem a lutar, a sofrer e a amar até a morte! Amém! Amém!” , retrata e reforça a consciência de que o Projeto é da Trindade,  que  deve ser o modelo no cotidiano, seja na luta, no sofrimento e na experiência amorosa até as últimas consequências: a morte. O Amém repetido reforça seu Sim dado a esse Projeto. Nesse terceiro direcionamento, há uma articulação intensa em relação à cristologia e à pneumatologia. O Espírito age como santificador em função dos esponsais típicos da dimensão cristológica. A Congregação é fundada pela Trindade tem seu início no Pai, promove-se no seguimento do Filho e consuma-se no Espírito Santo. Sob a égide da  Trindade  chega-se à perfeição através das  vias iluminativa e unitiva. Inclui uma forma dialética de vida: contemplativa e ativa como reflexo da Trindade na ação missionária e na visibilidade do Carisma Congregacional, na busca contínua da Vontade de Deus.

 

 


Irmã Maria Freire da Silva.

Diretora Geral Congregação das Irmãs do Imaculado Coração de Maria.
Bacharel e mestra pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, de São Paulo e doutora em Teologia Dogmática pela Pontifícia Universidade Gregoriana, Roma, Itália.

 

 

Considerações bibliográficas

MAIX, BÁRBARA, Correspondência,. 1849-1872 , Tradução do alemão para o Português, em  2008.

BORTOLUZZI, C. O., in Documentário da Congregação das Irmãs do Imaculado Coração de Maria.  2ª edição, D. Bosco, Porto Alegre ,1996.

FORTE, B, A Porta da Beleza: por uma estética teológica, Ideias&letras, Aparecida 2006.

SILVA, FREIRE. M. Trindade, um dinamismo valsante, Palavra&prece, Saõ Paulo, 2012.

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