A Festa da Igreja: a Solenidade do Espírito Santo


Pela Palavra do Senhor foram feitos os céus, e todos os seus exércitos pela “Ruah” de sua boca” (Sl 33,6). Já percebemos a “Ruah elohim” vibrando sobre o caos primitivo (Gn 1,2). A “Ruah” dinamiza o nada, o caos e origina a criação diversificada, bela, em movimento de comunhão.
O mês de maio chega para nós com uma riqueza imensa referente a lista de nomes de santos e santas mártires, no coração da Igreja desde seus primeiros séculos. Com esplendor e majestade, ainda em período pascal, celebramos a grande Festa da Igreja, a Solenidade do Espírito Santo, a Ruah Divina.  O termo “Ruah” significa amplidão (“Rewah”) “a ruah cria espaço, põe em movimento, leva da estreiteza para a amplidão e, assim, torna tudo vivo. Na experiência da “Ruah”, o divino é experimentado como espaço de liberdade, onde  todo o ser vivo se desenvolve. “Colocaste meus pés em campo aberto” (Sl 31,9) “se… a ira te seduziu, haverá em lugar dela uma amplidão sem limites, onde já não existe aflição” (Jó 36,16). A “Ruah” é experimentada mediante: um CORAÇÃO NOVO um ESPÍRITO NOVO. “Ruah” e “hokma”, Espírito e Sabedoria que enche a terra de alegria e esperança. “Incutirei uma “Ruah” dentro de vós e farei com que andeis segundo meus preceitos” (Ez 36,26s). Na Bíblia, o “pousar” do Espírito é entendido como a “Shekiná” de Deus.

O Espírito faz de “Jesus o Reino de Deus em Pessoa”. No Espírito, Ele acolhe os pecadores e leva aos pobres o Reino de Deus. Portanto, o Espírito está na experiência do VIVER e MORRER de Jesus. A Paixão do Filho é o caminho da Paixão do Espírito. O Espírito é o  transcendente deste imanente caminho de sofrimento de Jesus, onde a Cruz é evento gerador do novo discipulado de Jesus. O grito do Filho de Deus na Cruz é a volta definitiva ao princípio. É o parto que garante a perenidade do Reino e a certeza da nova vida que surge na cruz. A morte na Cruz é uma espécie de parto, onde nascem os novos discípulos, geradores de comunhão, no acolhimento do diferente, no constituir-se Igreja:

 

Mulher, eis aí teu filho; filho, eis aí tua Mãe  (Jo 19,26s).
“E o discípulo a recebeu em sua CASA”.
CASA = espaço de salvação, lugar do povo novo, “Shekiná” da Trindade.
“E o discípulo a recebeu em sua CASA”.

 

Essa afirmação do Evangelista mostra que o discipulado de Jesus tem como princípio a abertura, o acolhimento do Antigo = memória = Aliança = SERVA, para interpretar os eventos passados fundamentados no evento da Ressurreição, que atualiza, dinamiza a instauração do Reino e o lança para o futuro da História. A experiência de Jesus é rezada no espírito da comunidade.

 

O Espírito que foi experimentado pelos discípulos e, com eles, pela comunidade, é marcado por Cristo. Por Ele, o discipulado chega à comunhão e à experiência Vital do Espírito. Aqui, a fé é resposta e início. A fé que se manifesta na comunidade dos seguidores e seguidoras de Jesus. Não existe outra mediação entre Cristo e o Reino a não ser a presença do Espírito. Ele é o Espírito de Cristo e a força de vida da nova e definitiva Criação. Contudo, esse processo tem que ser visto num desdobramento trinitário.

 

Jo 14,16 – “Rogarei ao Pai e Ele vos dará outro Paráclito”.
Jo 14,26 – “O Paráclito… que meu Pai enviará em meu nome”.
Jo 15,26 – “Quando vier o Paráclito, que vos enviarei da parte do Pai, o Espírito da Verdade…”

 

A vinda do Espírito é pedida por Cristo. Ele é enviado pelo Pai, em nome de Jesus, e Jesus o envia aos discípulos e discípulas para manifestação do Reino. O Pai gera o Filho em virtude do Espírito eterno. O Pai sopra o eterno Espírito na presença do Filho. O Espírito acompanha a geração do Filho e se manifesta através dele. O Espírito Princípio de novas Expectativas no Esperar e no Gemer dentro da História. A experiência do Espírito desperta novas formas e expectativas de vida nunca imaginadas. O Espírito desperta a paixão adormecida na luta pela redenção do corpo e pela nova criação. Somente no movimento do Espírito a comunidade grita: “Maranatha”!  “Vem, Senhor Jesus”! (Ap 22,20). É a experiência do Espírito que leva os cristãos a se tornarem inquietos na sociedade, sem pátria, na busca do Reino, solidários com o universo em clamores mais profundos. É o agitar do Espírito que ressoa nos ouvidos das discípulas/os de Jesus, para se erguerem de suas quedas, indolências, descompromissos e contemplar o rosto desafiador dos Pobres.

 

No Espírito Santo, os pobres se tornam lâminas afiadas que cortam, com a própria vida, o discurso demagogo de políticos indecentes, deixando nas ruas, no campo, as fotos pintadas pela mentira, onde os pincéis não conseguiram esconder a Verdade.

 

No dinamismo do Espírito, a esperança canta a liberdade e o renascer do cosmos nas forças do mundo novo (Hb 6,5). Quanto maior for o sofrimento, maior a inquietação e as expectativas do discipulado de Jesus para expulsar as forças da morte e criar novos espaços de vida, novas alternativas, onde, numa valsa universal, possamos dançar a música do banquete do reino, no salão da liberdade, que é este Brasil-mundo, numa coreografia maestrada pelo Deus-Comunhão. Só assim cantaremos um cântico de louvor e alegria. No “esperar e no gemer” do Espírito, nosso comportamento tem que ser uma resposta aos gemidos. Nossa oração tem que ser um grito, um clamor para que o espaço permita a ação do Espírito e o Reino se realize em nós.

 

No início, no princípio, está em toda experiência de salvação um clamor que provém das profundezas:
Ex 3, 7ss – O Clamor de Israel escravo.
Mc 15,34 – O Clamor da morte de Cristo no povo tirado da opressão.
Hoje – o Clamor das mulheres marginalizadas,
             o Clamor das crianças,
o Clamor dos idosos e dos jovens.

 

É o movimento do Espírito pousando sobre as humilhações e perseguições de um povo reduzido ao silêncio, à fome, à exclusão e a guerra.
Assim, da natureza destruída, da questão climática da vulnerabilidade, sobem até Deus suspiros das criaturas excluídas, marcadas nas faces e no corpo pelo sopro infernal das guerras.  É o suspiro, e o gemer do Espírito. O estar cheio do Espírito é a “Shekiná” de Deus. Joel 3,1 – Os dons do Espírito são derramados sobre todo o povo… Todo o povo profetizará. O Espírito concede a Igreja carismas, dons doados. Como diz Epifânio de Salamina(375): “A santa Igreja de Deus os acolhe por si, mas(dentro dela) existem verdadeiramente carismas, autenticados para ela pelo Espírito Santo, e que vêm até ela através dos profetas, dos  apóstolos e do próprio Senhor”. (Congar, 2005).

 

O Espírito de Sabedoria que procede do Pai e com o Pai e o Filho é adorado e glorificado, segundo o Concílio de Constantinopla em 381. O Concilio teve como objetivo declarar a verdade de fé, sobre o Espírito Santo.  As duas formulações do Símbolo Niceno-Constantinopolitano que afirmam: “E encarnou pelo Espírito Santo … Creio no Espírito Santo, Senhor que dá a vida” (Et incarnatus est de Spiritu Sancto … Credo in Spiritum Sanctum, Dominum et vivificantem). Na  Sequência do Espírito se diz:

 

…e no Espírito Santo – O Espírito é Santo por natureza, santidade que é propriedade da natureza divina, pois Deus é Santo. Ele é Santificador como o Filho é Redentor. … que é Senhor – O Espírito Santo não será chamado Deus, pois a SE não o denomina assim. Aquele com o qual se traduz o tetragrama YHWH. Isso designa não somente o Filho mas também o Espírito Santo. Paulo aos 1Cor 8, 6, afirma um só Senhor, há um certo fundamento na Escritura: Porque o Senhor é o Espírito (2Cor 3, 17).

 

…e dá a vida – O Espírito é Vivificante. É uma referência a sua ação criadora e recriadora na economia da salvação. É Aquele que comunica a vida nova da ressurreição. É Ele quem vivifica a comunidade (Jo 6, 63). O Espírito é vida (Rm 8, 10). É O Espírito vivificante( 1Cor 15, 45). Vem daquele que dá e daquele que recebe.

 

…Procede do Pai – o apelo ao texto de (Jo 15, 26 ) . O Espírito procede do Pai. A definição da propriedade hipostática do Espírito, é feita por Gregório Nazianzeno. O termo proceder aparece no Evangelho ligado a Economia da salvação. Designando a saída do Espírito ao mundo. Termo empregado para suprir a carência de vocabulário escriturístico – por exemplo, Filho gerado.

 

…que é com o Pai e o Filho adorado e glorificado. A doxologia de São Basílio dizia: Glória ao Pai com o Filho com o Espírito Santo. Essa é a argumentação de Basílio contra os pneumatômacos (inimigos do Espírito) aqueles que negavam a divindade do Espírito Santo. Melitão de Sardes (180) afirmava que: o Filho padece na carne e o Pai compadece no Espírito.

 

Agostinho, no IV Século, é considerado aquele que criou a doutrina após haver empregado a fórmula tradicional hereditária da Patrística Grega, afirma explicitamente, por primeiro, no ano 418, que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho. As expressões que elabora ao interno da sua pesquisa teológica se tornam referências decisivas para os Concílios de Lião e de Florença. No III Concílio de Toledo (589) o rei Recaredo, da Espanha visigoda recem-convertido do arianismo, ordena intercalar a nova fórmula do Filioque (e do Filho) no símbolo niceno-constantinopolitano. O chamado símbolo do rei Recaredo: “O Espírito Santo é igualmente professado e pregado por nós como procedendo do Pai e do Filho e com o Pai e o Filho possui a mesma substância; portanto, a terceira pessoa da Trindade é o Espírito Santo que possui com o Pai e o Filho a essência da divindade (DZ 470). Em 1014, por ocasião da coroação do rei Henrique II pelo papa Bento VIII em Roma, o credo foi cantado com a interpolação do Filioque na Basílica de São Pedro.

 

No entanto, recordam-nos ainda que a maior obra realizada pelo Espírito Santo, obra à qual todas as outras se referem constantemente, indo a ela haurir como a uma fonte, é precisamente a obra da Encarnação do Verbo Eterno, a obra do Espírito Santo no seio da Virgem Maria (João Paulo II).
 
Maio é um mês dedicado a Maria, Mulher da nova aurora, do amanhecer da Ressurreição, aquela que foi coberta pela sombra do Altíssimo (Lc 1,35), a Theotókos,  a Senhora da Igreja, consoladora dos pobres os mais vulneráveis.

 

Por:

 


Irmã Maria Freire da Silva.

Diretora Geral Congregação das Irmãs do Imaculado Coração de Maria.
Bacharel e mestra pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, de São Paulo e doutora em Teologia Dogmática pela Pontifícia Universidade Gregoriana, Roma, Itália.

 

Bibliografia:
CONGAR, Y. Revelação e experiência do Espírito Santo. Vol. 01, São Paulo, Paulinas, 2005.

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